Tenho um amigo antenado. Ele não vê TV, embora leia jornal, mas se informa deveras no Facebook, no Twitter, usa WhatsApp e SMS. Politicamente ativo, participa de passeatas, de mobilizações públicas pelos sem-teto e pelo MST, vota no Avaaz e, claro, é de esquerda, embora considere a visão desenvolvimentista de Dilma equivocada.
O Brasil é refém das grandes empreiteiras, diz ele, que planejam obras faraônicas com o pretexto de gerar crescimento e emprego, locupletando-se dos bilhões pagos pelo dinheiro público.
Meu amigo se formou em economia, foi um jovem conservador e se transformou num adulto engajado. As minorias são a sua causa e ele procura não feri-las mesmo nas conversas moles.
Diante dele, eu me autodenomino Direita Chardonnay. Nem Esquerda Caviar eu me sinto, de tão movido pela luta contra a desigualdade que ele é.
A saída de Eduardo Viveiros de Castro do Facebook o fez vestir luto, e considera injusto o ataque à Regina Casé, feito pela mãe do bailarino do Esquenta, assassinado pela polícia numa batida no Leme.
Muitas vezes, tenho a sensação de que eu vivo no passado, desinformada até dizer chega, sem saber das teorias da conspiração que regem a minha existência. Ele, não, ele sabe. Ele se informa e se conecta.
Outro dia, num papo sobre a entrevista que Reza Aslan, autor de Zelota, concedeu à Fox News, nossos mundos se chocaram. A Fox é um canal de direita convicto e a entrevistadora, que não leu o livro, se pautou pela indignação equivocada de que o iraniano muçulmano havia escrito o livro para denegrir a imagem de Jesus. Ela estava errada, Zelota é justamente o contrário.
Meu amigo, tão informado, fez uma observação que me surpreendeu. Ele disse que o livro teria passado a existir depois que a contenda se transformou em viral.
Parei. Pensei. Não é verdade, Zelota já era fenômeno muito antes de a internet replicar o vexame da Fox News. Do alto do meu conservadorismo do século XX, contra-argumentei que o mundo real ainda era o principal gerador dos fatos. E que o que acontece no universo virtual me interessa menos do que o que percebo com os olhos, ao vivo e em cores.
Zelota me fez entender a Palestina, me fez rever Cristo, Paulo, é um livro maravilhoso. Foi minha mãe que indicou, no mais velho estilo. Ela e as vitrines das livrarias do Brasil
e do mundo, onde sempre o vi exposto com destaque especial. Foi o mundo real que me apresentou a Zelota.
Noto, nos que viram a noite se informando na rede, uma ansiedade muito grande por descobrir a verdade. Ouço muito a expressão “estão dizendo”, sem saber bem quem
são esses tais, que tanto dizem. As opiniões via bytes carregam a covardia do anonimato, mas são o que há de mais concreto para aqueles que a seguem e perseguem.
Existe uma lógica nas redes sociais que me incomoda. Partilha-se sempre mais do mesmo. Os algoritmos decodificam o seu gosto e opinião e te conectam a outras agremiações que consomem os mesmos filmes, os mesmos discos, que se parecem em tudo com você mesmo.
Tem-se a sensação de indivíduo, mas o que existe de fato é a curva estatística, sensível somente a números que superam a casa do milhão.
Eu luto para não ser milhão. Desconfio da unanimidade e gosto de saber com quem estou falando.
Na última eleição, azuis e vermelhos se deletaram mutuamente do convívio virtual. Para cada escândalo de um lado, expunham-se iguais mazelas do outro, e cada facção se entrincheirou no paraíso dos que comungavam da mesma visão partidária. Não houve diálogo.
Eu venero o acesso à informação que a internet me proporciona, masaindaprefiro o debate cara a cara. Sou antiga, vou morrer assim.
A partir da Veja-RJ. Leia no original
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