A primeira imagem que tenho da Hebe é de alguns anos antes de conhecê-la pessoalmente. Década de 50, ela muito loira e linda, cruzando as ruas de São Paulo num conversível branco.
Imagem inesquecível, semelhante às que víamos nas revistas com as atrizes americanas de cinema. Já naquela época as pessoas paravam no meio-fio e acenavam para ela, que buzinava como resposta. Já era popular, admirada e querida. Já era alimento de algumas intrigas. Já produzia um sem-número de lendas ao seu redor. Já era considerada rica. Já exibia casacos de pele e joias ao desfilar nas noites paulistanas. Já era cortejada, invejada e criticada. Criticada até mesmo por estar loira. E, por causa disso tudo, muitas vezes sofria e chorava. Outras se indignava e rebatia com furor. Mas, na maioria das vezes, deixava para lá.
E já ria. E como ria!
Não há quem não tenha uma história a contar sobre ela. Sejam aqueles que a conheceram de perto e com ela trabalharam ou se relacionaram, como amigos e parentes; sejam telespectadores dos seus programas, contados aos milhares; sejam frequentadores fiéis do seu auditório. Afinal, são muitos anos de convívio com essa mulher que atravessou o tempo fazendo sempre a mesma coisa e conseguindo que essa coisa fosse sempre diferente e cada vez melhor. Um velho programa novo a cada semana.
Ainda que jornais e revistas tenham esgotado suas tiragens com belas e fartas matérias, agora que morreu, a Hebe mesmo permanece inesgotável.
Fui, por três anos, um dos diretores do programa que ela fazia nos anos 60 na TV Record. A audiência era total e absoluta. Foi lá que se consagrou o sofá no centro do palco. Naquele programa, o desfile de entrevistados foi o maior, o mais expressivo da televisão brasileira, desde a sua inauguração, há sessenta anos. Nenhuma personalidade, nacional ou internacional, deixou de sentar-se ao lado dela. Fosse quem fosse, estando em São Paulo, estaria naturalmente no seu programa: artistas, esportistas, políticos, cientistas, celebridades de qualquer área — todos beijavam sua mão, riam com ela, admirando a alegria, o carisma, a jovialidade e a disposição para a vida que ela exibia escandalosamente. Um luxo de mulher.
Era um tempo de dura competição dentro da TV Record. Como não tínhamos concorrentes externos que nos ameaçassem, concorríamos internamente, cada um de nós defendendo com todo o vigor os programas que assinava. Nessa época, já formávamos a Equipe A de produção: Tuta Carvalho, Raul Duarte, Nilton Travesso e eu. E éramos responsáveis por programas como O Fino da Bossa, Bossaudade, Esta Noite Se Improvisa, Corte Rayol Show, Família Trapo, Show do Dia 7 e… Hebe. Era ela a mais popular entre todos os artistas da casa. E esses artistas eram — nada mais, nada menos — Roberto Carlos, Elis Regina, Ronald Golias, Jô Soares, Chico Anysio, Renato Corte-Real, Agnaldo Rayol, Chico Buarque, Caetano e Gil. Entre as personalidades internacionais, lembro-me bem do doutor Christian Barnard, que fez o primeiro transplante de coração, e do astronauta Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua. A todos tratava com a mesma simpatia e carinho. E já usava a expressão “gracinha” como uma das suas marcas. O selinho viria muito depois.
Hebe foi a mais luminosa das estrelas brasileiras. A mais duradoura e a mais feliz. Tive a sorte de ter sido também seu amigo e seu compadre, já que ela batizou minha filha Maria Carolina.
Uma lenda adormece, mas não morre. E, por mais que se conte, sempre haverá o que contar. Como as histórias de amor.
Descanse em paz, comadre.
A partir da Veja-Rio. Leia no original
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