Em tempos de mensagens eletrônicas, causa até estranheza uma correspondência via correio, como a que acabo de receber no endereço da TV Globo. Gosto de cartas. Escrevi muitas e recebi outras tantas, durante toda a minha vida. E ainda sinto saudade dos cartões de Natal que eu e minha mulher comprávamos do Unicef e enviávamos a todos os amigos. Esse hábito ainda mantive durante bastante tempo, mesmo com o advento da informática, mas o deixei para trás quando os retornos só chegavam por meio eletrônico, levando-me a pensar então que eu devia estar causando até um certo embaraço aos amigos, que se sentiam forçados a responder via correio. E fico imaginando o que alguns poderiam comentar:
— Lá vem o Maneco com essa mania de mandar cartões pelo correio! Por que não manda e-mail como todo mundo?
Mas vamos à carta de uma desconhecida. Nada a ver com o romance que leva esse nome, de Stefan Zweig, que eu li e adaptei para a televisão, nos anos 50. E que também rendeu um belo filme, em 1948, dirigido por Max Ophüls, com Joan Fontaine e Louis Jourdan.
A desconhecida identifica-se como M. e o que ela escreve é bastante simples e objetivo. Começa com um formal “Prezado cronista”, e após considerações sobre o meu trabalho, entra no assunto:
“…tive um namorado espanhol, naturalizado brasileiro, vivendo com ele um grande amor de verão, que se estendeu às outras três estações e resultou numa vida em comum, com ele saindo de um hotelzinho no centro da cidade e se mudando para o meu apartamento no Jardim Botânico. Vivemos assim por quase três anos, com muitas brigas, mas também com muito amor. Entre tapas e beijos, como na série da TV. Dois meses atrás, meus pais saíram do interior do Paraná e vieram morar no Rio, no meu apartamento, que na verdade é deles, comprado por eles, e que eu ocupo desde os 18 anos, quando vim fazer letras na PUC do Rio. Não gostaram do meu namorado, que chamarei de R., e uma das razões foi a diferença de idade: ele tem 40 anos e eu vou fazer 22. Tanto encheram a minha cabeça, tanto me ameaçaram, que terminei a relação. Isso há quase um mês”.
M. faz várias considerações sobre o romance que viveu e vai para o final, razão da sua carta:
“Um hábito que mantivemos durante todo esse tempo foi o de ler, juntos, as suas crônicas. Passávamos o domingo comentando o que você escrevia, e de uma das crônicas, de junho de 2009, gostamos tanto que enquadramos e penduramos na parede do quarto. Chamava-se “A carta” e falava sobre um romance que se perdeu no tempo e no desencontro. Pois bem: agora, com meus pais voltando para a cidade em que moravam, já que não se deram bem no Rio, eu voltei a viver sozinha e fui à procura de R. Mas… o número do celular já não é dele; no emprego que ele mantinha, ninguém tem notícias; para o hotelzinho do Centro, onde morou, ele nunca voltou; na casa de seu único amigo, ninguém soube me dizer nada. Enfim: não o encontro em lugar nenhum. Foi quando nesta semana, já desanimada, bati os olhos na crônica pendurada na parede do meu quarto e tive a ideia de recorrer a você. Pensei: se R. mantém o hábito de ler as suas crônicas, vai reconhecer a nossa história na carta que estou lhe enviando. E aí quem sabe ele volte a me procurar. Por isso eu lhe peço que publique este meu apelo. É importante que ele saiba que sempre o amei e que continuo amando, e que fiquei sabendo, nesta semana, que estou grávida dele”.
Bem, aí está a carta de M. que procura R. Meu desejo é que ele continue sendo meu leitor. E vá procurar sua namorada e futura mãe do seu filho.
A partir da Veja-Rio. Leia no original
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