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Lula, quando presidente do Sindicato |
Se não fosse ele, aquela festa não teria acontecido. Provavelmente, muitas outras coisas não teriam acontecido no país se ele não tivesse tido a iniciativa de abrir mão do convite e indicar o irmão, em seu lugar, na chapa montada para disputar as eleições no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, em 1969.
Ele é Frei Chico, o irmão mais velho de Luiz Inácio da Silva, que voltou à sede do sindicato para receber uma homenagem dos antigos companheiros, na comemoração dos 30 anos da posse da primeira diretoria presidida por Lula, em 1975.
Lula não era nem filiado ao sindicato antes de ser candidato, como ele mesmo lembrou em seu discurso de hora da saudade, que durou 45 minutos." Gostava mesmo era de praia, forró e futebol.
Frei Chico, que nada tem de frade nem de Chico - seu nome de batismo é José Ferreira da Silva, metalúrgico, comunista de carteirinha -, ganhou o apelido "porque naquele tempo eu estava começando a ficar careca no cocoruto, e estavam prendendo um monte de frades...".
Frei, tudo bem, mas por que José virou Chico nem ele sabe. Nessa noite, pela primeira vez, Lula resolveu chamá-lo l ao palco para contar como tudo começou. Todo de branco, meio sem graça, Chico saiu do fundo do salão e do anonimato. E os mais de 600 metalúrgicos reunidos no auditório do sindicato, a maioria jovens que não pegaram o tempo das greves do final dos anos 1970, ficaram sabendo do papel desse careca na história do Lula e do movimento sindical do ABC, o principal pólo de resistência ao regime militar.
"O Chico não pôde aceitar o convite para entrar na chapa e perguntou se eu topava, até resisti um pouco no começo...", contou Lula, para explicar como entrou na vida sindical. O que ele não contou foi o motivo da recusa de Chico, hoje com 62 anos, que naquela época já exercia intensa atividade sindical e política.
O relato que Chico me fez, depois da festa, mostra como a história muitas vezes é escrita a partir de um pequeno detalhe, um detalhe que pode parecer banal, mas acaba mudando substancialmente o curso das coisas. Ele trabalhava na metalúrgica Carraço, que já tinha um diretor de base, José Ferreira da Silva, o Ferreirinha. A mesma fábrica não podia ter dois diretores na chapa. Como Ferreirinha não queria perder a estabilidade sindical, Chico abriu mão do seu nome e lembrou de Lula, que trabalhava na Villares, uma fábrica grande.
De diretor de base, que morria de medo de falar nas assembléias, na eleição seguinte, em 1972, Lula virou diretor do setor de previdência e, em 1975, chegou à presidência. O resto da história todo mundo já sabe, mas ninguém parecia mais feliz naquela noite do que Chico, sentado ao lado do irmão presidente da República, rindo das brincadeiras que ele fazia com os velhos companheiros.
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Frei Chico, irmão de Lula |
Se não fosse o Ferreirinha, quem sabe hoje Lula fosse apenas mais um metalúrgico aposentado da Villares, como tantos outros na faixa dos 60 anos, que voltaram a se encontrar nesse histórico sindicato que deu origem ao PT, à CUT, e teve um papel importante em todas as lutas pela redemocra-tízação do país.
Líder sindical que, no começo, não queria saber de partidos nem de políticos, a ficha de Lula só caiu mais tarde, quando Frei Chico foi preso e barbaramente torturado, em 1975. Foi a partir daí que, como constata hoje, Lula começou a adquirir consciência política, entender o que estava em jogo naquele momento e correr os riscos de afrontar, com suas greves, a ditadura implantada pelos militares em 1964.
Antes de voltar a Brasília, naquela mesma noite, Lula ainda passou um bom tempo na sala da presidência do sindicato, numa roda de velhos e novos líderes metalúrgicos, recordando os tempos em que não era permitida nem negociação salarial. Com o sindicato sob intervenção, preso no DOPS junto com outros diretores do sindicato, Lula nunca esquecerá o 1° de maio de 1980, quando suas mulheres, com Marisa à frente, comandaram a passeata e lotaram as ruas de São Bernardo do Campo, a caminho do Estádio de Vila Eucli-des, palco das assembléias dos metalúrgicos.
Um helicóptero do Exército, com as portas abertas e soldados apontando as armas para a multidão, sobrevoava o estádio. A caminho de São Bernardo do Campo para a festa do sindicado, vi de novo um helicóptero do Exército sobrevoando a via Anchieta. Até comentei com minha mulher: "talvez seja o mesmo daquele l°-de maio, já que a frota é bem antiga". Só que dessa vez ele estava levando a comitiva do presidente Lula para a festa. Passaram-se apenas 25 anos entre uma e outra missão.
No final da noite em que foi chamado a subir ao palco, Frei Chico desceu as escadas do sindicato sozinho, feliz da vida. Lá fora, os batedores do Exército já estavam preparados para abrir caminho à comitiva do seu irmão - aquele que não queria ser sindicalista e virou presidente da Republica.
A partir do livro "Uma Vida Nova e Feliz" (Ediouro)
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