Em 21 dezembro do ano passado, fez 30 anos que Nelson Rodrigues morreu, de complicações decorrentes dos seus problemas gastroenteorológicos e cardíacos. No ano que vem, em agosto, será comemorado o centenário de nascimento do escritor, que ficou conhecido por suas peças teatrais, suas crônicas – esportivas, políticas etc. –, seus contos, suas frases afiadas.
Nelson era, antes de tudo, um homem que gostava de ser polêmico – antes que isso se tornasse um tipo de profissão entre comentaristas de televisão e blogueiros da internet. Ele se autointitulava reacionário em uma época que o epíteto era quase sinônimo de palavrão. Desprezava os jovens, bem no momento em que essa faixa etária começou a ser valorizada. Dizia-se anticomunista e chegou a apoiar a ditadura militar brasileira, até que seu filho fosse preso por atividades subversivas. Entretanto, não admitia a censura. Trabalhava contra a moda porque seguia o seu ideal – tantas vezes citado, mas será que sempre compreendido? – de que a unanimidade é burra.
Para homenagear essa figura lendária, autor de peças que são consideradas o alicerce da dramatugia moderna brasileira, como “Vestido de noiva”, selecionamos uma entrevista antológica – porque todas as entrevistas com Nelson são inesquecíveis – do escritor com seu amigo, o também escritor e jornalista Otto Lara Resende, realizada em 1977.
O clima entre os dois é de cumplicidade. Ou melhor, de camaradagem. São tão próximos que Lara Resende, a certo momento, toma a liberdade de reclamar com Nelson de ser frequentemente citado pelo amigo – inclusive como título de uma de suas peças mais famosas: “Bonitinha, mas ordinária, ou Otto Lara Resende”. Nelson se desculpa afirmando que gostaria de tratar seu Otto de uma maneira “pessoal, com a ternura que ele merece”. E, instigado pelo companheiro, admite ser um obsessivo, no que o Otto retorna: “Napoleão dizia que a repetição é a única figura de retórica”.
O bate-papo é informal e rápido, apesar de Nelson estar visivelmente debilitado – ele acabara de passar por um problema de saúde gravíssimo – é recheado de citações e tiradas geniais. De ambos os lados. Logo no início, Otto, comentando a fase adoentada de Nelson, diz que tem interesse pela morte, porque acredita que últimas palavras de um homem são as definitivas, e exemplifica: “o que é a arte se não a necessidade de dizer as últimas palavras?”
Já Nelson, com a sua tradicional implicância com os jovens, diz que “aos 18 anos o homem não sabe nem dizer bom-dia a uma mulher. Todo homem deveria nascer com 35 anos”. Confrontado por Otto, que, novamente, o força a continuar no assunto, ele afirma que “a maior revolução do século XX é a dos cretinos fundamentais” – como ele se refere aos jovens. Então, Otto desiste da “luta verbal”, com uma saída de mestre, cheia de humor: “na discussão não nasce a luz, nascem os perdigotos”.
Ronaldo Pelli
A partir da Revista de História. Leia no original
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Melhor que descrever a conversa entre os dois, é assisti-los. Abaixo:
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