Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de dezembro de 1938. É neto de imigrantes italianos da região do Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do século XIX.Fez seus estudos primários e secundários em Concórdia-SC, Rio Negro-PR e Agudos-SP. Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959.
Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha).
Esteve presente nos inícios da reflexão que procura articular o discurso indignado frente à miséria e à marginalização com o discurso promissor da fé cristã gênese da conhecida Teologia da Libertação. Foi sempre um ardoroso defensor da causa dos Direitos Humanos, tendo ajudado a formular uma nova perspectiva dos Direitos Humanos a partir da América Latina, com "Direitos à Vida e aos meios de mantê-la com dignidade".
É doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela universidade de Lund (Suécia), tendo ainda sido agraciado com vários prêmios no Brasil e no exterior, por causa de sua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e marginalizados e dos Direitos Humanos.
De 1970 a 1985, participou do conselho editorial da Editora Vozes. Neste período, fez parte da coordenação da publicação da coleção "Teologia e Libertação" e da edição das obras completas de C. G. Jung. Foi redator da Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984), da Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e da Revista Internacional Concilium (1970-1995).
Em 1984, em razão de suas teses ligadas à Teologia da Libertação, apresentadas no livro "Igreja: Carisma e Poder", foi submetido a um processo pela Sagrada Congregação para a Defesa das Fé, ex Santo Ofício, no Vaticano. Em 1985, foi condenado a um ano de "silêncio obsequioso" e deposto de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo religioso. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986, podendo retomar algumas de suas atividades.
Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma segunda punição pelas autoridades de Roma, renunciou às suas atividades de padre e se auto-promoveu ao estado leigo. "Mudou de trincheira para continuar a mesma luta": continua como teólogo da libertação, escritor, professor e conferencista nos mais diferentes auditórios do Brasil e do estrangeiros, assessor de movimentos sociais de cunho popular libertador, como o Movimento dos Sem Terra e as comunidades eclesiais de base (CEB's), entre outros.
Em 1993 prestou concurso e foi aprovado como professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Em 8 de Dezembro de 2001 foi agraciado com o premio nobel alternativo em Estocolmo (Right Livelihood Award).
Atualmente vive no Jardim Araras, região campestre ecológica do município de Petrópolis-RJ e compartilha vida e sonhos com a educadora/lutadora pelos Direitos a partir de um novo paradigma ecológico, Marcia Maria Monteiro de Miranda. Tornou-se assim ‘pai por afinidade’ de uma filha e cinco filhos compartilhando as alegrias e dores da maternidade/paternidade responsável. Vive, acompanha e re-cria o desabrochar da vida nos "netos" Marina , Eduardo, Maira, Luca e Yuri.
É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Ecologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos.
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A vida aos 70 anos: um sonho matinal
Nesta data de 16 de dezembro de 2008 marcará a minha vida de teólogo e de militante dos direitos humanos e ecológicos a partir da opressão social e da devastação natural. Estou recebendo, na minha cidade de adoção, Petrópolis, Rio, esta homenagem por parte daqueles com os quais caminhei nos últimos 30 anos, grande parte gente do povo, das comunidades da periferia da cidade mas gente que se sente cidadão com direitos, dignidade e em harmonia com a natureza.
Agradeço as palavras comovidas de Maristela Barenco, uma das melhores alunas de teologia que tive, pedagoga, psicóloga e atualmente coordenadora pedagógica do Centro de Defesa dos Direitos Humanos. As palavras do confrade Frei Alamiro da Silva me religaram à caminhada comum como franciscanos junto com os Sem Terra, os Sem Teto, no empenho pelos direitos dos oprimidos e ao empenho no projeto justiça, paz e integridade do criado que a Ordem Franciscana já há anos tem assumido.
As palavras do teólogo jesuita Pe. João Batista Libanio, de Belo Horizonte, me comoveram especialmente porque traçou os marcos de uma caminhada que fizemos juntos desde os longiquos anos 70 do século passado até o presente momento. Mais que amigo se tornou um irmão fiel e testemunho de uma mesma articulação da fé a serviço da vida e dos sofredores deste mundo. Dotado de vasta cultura humanística, soube sempre unir rigor do conceito com o senso de humor e de leveza em sua exposições.
Aos presentes fiz, em forma improvisada, um breve balanço de meu percurso teológico que aqui transcrevo. Reparando bem, cada viragem em meu pensamento, dentro de um continuum de fundo, está ligada a uma crise existencial. Como vivemos tempos de crise sistêmica, não é sem sentido entender uma caminhada de tantos anos no arco do fenômeno da crise. Pois cada crise funciona como um crisol que acrisola a essência das opções e assim permite um salto novo na história pessoal.
O sentido da velhice e do trabalho
Antes de mais nada, reconheço o rápido passar dos anos e o irromper inesperado da velhice. Ela é mais que uma fatalidade biológica. É uma oportunidade que Deus e a vida me oferecem para concluir o que um dia começou: a plasmação de minha própria vida para que ela chegue a certa plenitude à semelhança de uma fruta que deve madurar para ser recolhida para o festim do Senhor. Sempre tentei levar minha vida à luz do mistério de Deus, sem nunca saber exatamente qual seja seu designo sobre meu caminhar. E também sem entender a própria vida que me surge mais e mais como um mistério, bem como a vida em geral e o universo em evolução.
Dou-me conta da verdade do salmista:”somos como um sonho matinal, transitórios como a erva”(90,5).Os achaques já vão se manifestando como “o fio de prata que se solta, a taça de ouro que se despedaça, o cântaro da fonte que se quebra, a roldana do poço que se parte”(Eclo 12,6). Mas, mesmo nestas condições crepusculares, caminho não para o fim mas para a Fonte da perene juventude divina.
Em segundo lugar, me sinto um trabalhador de pesado trabalho. E nisso me uno a todos os trabalhadores do mundo. Puxei a enchada quando era pequeno. Depois me confrontei com a pena e a escritura, de dia, de noite, nos fins de semana, nos feriados e nas férias, ano após ano. Trabalhei muito ao compor meus escritos seja pesquisando, seja dando-lhe forma literária. Inconscientemente realizava o propósito do Criador: “investigar e explorar é a tarefa ingrata que Deus impôs aos seres humanos”(Eclo 1,13). Tarefa ingrata porque nunca está pronta e acabada. Sempre de novo deve ser retomada para que nos brinde novas janelas pelas quais vemos diferentemente a realidade.
Mas testifico com a experiência pessoal o que adverte o sábio: ”escrever livros e mais livros nunca tem fim e muito estudo desgasta o corpo”(Eclo 12,12).
A Igreja sacramento de salvação e de libertação
O Concílio Vaticano II (1962-1965) e meus estudos em Munique na Baviera (1965-1970) me despertaram para um mundo que ia alem do franciscanismo. Era a Igreja que se aggionava, vale dizer, que se atualizava mediante um vigoroso dialogo com o mundo moderno, com a ciência, com o trabalho, com o novo humanismo e o processo de emancipação, chamada pelos Padres Conciliares de “legítima autonomia das realidades terrestres”. Foi um tempo de entusiasmo e de experiência de libertação de um sufocamento espiritual que tornava a liberdade de pensar um aventura ariscada e suspeita de infidelidade. Igreja instituicional travara longa e inglória batalha contra a modernidade e suas conquistas intelectuais e políticas Agora se estabelecera, finalmente, uma espécie de pacificação entre Igreja e mundo a serviço daquilo que é bom e verdadeiro para a humanidade, pois tais valores possuem sua última origem em Deus. Talvez o tema do documento mais significativo do Concílio seja este que tem como titulo: “A Igreja dentro do mundo moderno”. Não é mais o mundo que é trazido para dentro da Igreja. É a Igreja que se descobre dentro do mundo, a realidade maior e mais desafiante. A Igreja se apresentava como o sacramento de salvação para o mundo, vale dizer, sinal e instrumento de uma salvação já conseguida por Cristo e oferecida a toda a humanidade. Esse foi também o tema de minha tese em alemão, publicada depois sob os auspícios do então Prof. Joseph Ratzinger. Vivia tempos de primavera e de grande otimsmo.
Ao regressar ao Brasil, junto com tantos outros, logo me dei conta de que o desafio maior para nós não era “a Igreja dentro do mundo moderno”, mas a “Igreja dentro do sub-mundo moderno”. Aquele mundo moderno com sua ciência e técnica e seus processos emacipatórios significavam armas com as quais nos submeiam ou incorporavam ao seu projeto. A primeira formulação reprsentava a visão do primeiro mundo, rico e bem situado dentro da cultura dominante. A segunda, focalizava a ruptura, a denúncia da existência de um sub-mundo e de uma sub-humanidade produzida pela modernidade. Que singifica ser sinal e instrumento de salvação num contexto de subdesenvolvimento entendido como dependência, agregação ao projeto das nações opulentas? Se esta situação configurava uma opressão, então a missão da Igreja era apresentar-se como sacramento de libertação. Como fazer das não-pessoas, pessoas com autonomia e direitos?
Foi o que pude entender e articular de forma mais orgânica no me livro Igreja: carisma e poder e Eclesiogênese a reinvenção da Igreja a partir da base.
Hoje assistimos a um retrocesso significativo por parte do governo central da Igreja em Roma. Procura-se ler o Vaticano II na ótica do Vaticano II, quer dizer, ler a pastoral à luz do direito canônico. Esta opção está mediocrizando toda a Igreja e incentivando um fundamentalismo “debole” nos novos movimentos laicais e nos pronunciamentos das autoridades centrais da Igreja. Volta o temor a tudo o que é moderno, rebaixado a relativismo. O temor é o oposto da fé. Minha postura fundamental sempre foi essa: Cristo não nos chamou para ficarmos fixados no porto seguro. Convocou-nos in altum, para ir ao mar alto e enfrentar as ondas perigosas. Não pedimos: “Senhor, Senhor, livre-nos das ondas ameaçadoras. Mas dá-nos forças para suplantá-las”. O cristianismo é para coisas grandes e generosas e não para consolar espíritos pusilânimes.
Conclusão: perdi quase tudo mas ficou a semente O que restou? Restou a fé, a esperança, o amor, a vida, alguma experiência e principalmente restou a semente. Espero que esta jornada me traga sabedoria que me dignifica como ancião e que me ajude para o grande Encontro, o tão esperado Encontro.
Em minhas labutas conheci o destino da árvore. Ela perdeu a copa e com isso o dialogo com o mundo se tornou mais difícil. Perdi o tronco e assim tive que me fortalecer muito para me manter sustentável. Perdi as raízes e empreendi grande empenho para continuamente me renovar. Perdi a seiva e tive que aprender a conviver com a solidão e a detração. Mas sobrou a semente. Sinto-me hoje apenas semente. E como semente me sinto inteiro. Pois na semente se esconde o frescor da copa, o vigor do tronco, o segredo das raízes e a vitalidade da seiva. Na semente está toda a promessa da vida, das flores e dos frutos. Dela tudo pode renascer. Mas só renasce se, no espírito das bem-aventuranças, eu aceitar o escuro do chão e o destino de toda semente: se não morrer, não dará fruto.
Ficando apenas semente, penso ter sido fiel a mim mesmo e aos apelos que me interpelavam. A semente guarda o propósito do universo e o desígnio do Criador sobre a minha já cansada existência. Com ansiedade espero sua revelação que será na vida para além desta vida.
Leonardo Boff
teólogo peregrino e pecador
Petrópolis, 16 de dezembro de 2008
teólogo peregrino e pecador
Petrópolis, 16 de dezembro de 2008
A partir do site do autor. Leia no original
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