Quantas vezes acordamos no meio da noite com o pensamento voltado para passagens, episódios, flashes da nossa vida ocorridos muitos anos atrás ou no dia anterior, e que não parecem ter nenhuma conexão imediata com o que vivemos recentemente?
Não sei por que me lembrei disso agora, dizemos, ao falar de um desses acontecimentos que nos vêm à memória, aparentemente sem nenhuma razão e sem nenhum estímulo aparente. Não porque lemos em algum lugar o nome da pessoa ou fazemos qualquer coisa que nos leve a lembrar daquele episódio. Não. Mas assim, do nada, como se diz. Num estalar de dedos. Existem também acontecimentos dos quais não nos lembramos nunca, porque nunca os esquecemos.
Coloco aqui, nesta crônica de começo de outono, alguns desses flashes que surgem, iluminam a minha memória por alguns segundos e desaparecem. Escolhi aqueles que estão ligados, de uma maneira ou de outra, à minha atividade profissional e que fazem referência a pessoas conhecidas por todos.
Não me esqueço, por exemplo...
...do Marlon Brando descendo de um táxi e entrando no Hotel Carlyle, na Madison, em Nova York, por volta das 2 horas da madrugada, em outubro de 2001.
...de uma tarde, no Central Park, em que eu contava a Christiane Torloni como seria a minha novela Mulheres Apaixonadas, em que ela faria o papel de Helena. Sentamo-nos num banco, sem nos dar conta de que estavam rodando a cena de um filme a menos de 100 metros de distância. Aí vimos que a cena era dirigida por Woody Allen. Numa pausa, ele veio vindo, sentou-se no mesmo banco que nós e ficou ali, lendo o script, sem ser incomodado por ninguém.
...da Clarice Lispector autografando seu livro de contos Laços de Família, na livraria Francisco Alves, em São Paulo. Eram poucas as pessoas presentes, mas Clarice estava feliz, sorridente e amável com todas elas, perguntando a cada uma o nome completo e demorando-se em dedicatórias exclusivas, nada protocolares. Guardo essa primeira edição até hoje, com uma dedicatória carinhosa. Uma preciosidade para mim.
...do então deputado estadual Jânio Quadros, no começo dos anos 50, tomando chope no Bar Harmonia, também em São Paulo. Ele estava numa roda de estudantes da Faculdade de Direito e fazia um discurso a favor dos taxistas, que viviam pedindo o aumento das tarifas. Quando ele se levantou para sair, foi aplaudido por todos os que estavam no bar. Aquele que ainda seria prefeito, governador e presidente da República já era muito popular nas rodas boêmias da cidade.
...de Chico Xavier, nos estúdios da TV Record, também nos anos 50, para dar uma entrevista. Ele suava nas mãos, estava inseguro e temeroso de não se sair bem. Conversamos com ele, o diretor Nilton Travesso e eu, tranquilizando-o. Quando o programa terminou – ao vivo, pois ainda não existia o videoteipe –, uma pequena multidão esperava por ele na porta da emissora. Eram telespectadores das redondezas da Record. Queriam conhecer e mesmo tocar no grande médium.
...de Nat King Cole, ao chegar a São Paulo para uma apresentação no Teatro Record, exigindo que o piano fosse branco, caso contrário não se apresentaria. A solução foi pintar um deles, improvisadamente, com uma tinta esmaltada, para secar mais depressa. Um mês depois percebemos que o piano estava apodrecendo por dentro. A solução foi jogá-lo no lixo.
...de uma briga de rua do popular Quinzinho da Portela, em que ele derrubou, sozinho, com as mãos, quatro soldados da cavalaria da Força Pública, que tentavam cercá-lo e prendê-lo na Boca do Lixo. Informação importante e inesquecível: os quatro foram derrubados com seus respectivos cavalos.
É isso, nesta semana. Feliz outono para todos.
A partir da Veja Rio. Leia no original
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