Início na garagem Bezos, de 45 anos, aplicou com mestria a tecnologia ao varejo e transformou uma empresa caseira em um gigante global |
O ano era 1994 e nem sequer havia atividade comercial relevante na internet. Mas um fato atraiu a atenção de um técnico em computação, lotado em Wall Street, chamado Jeffrey Preston Bezos. A rede de computadores crescia a uma taxa estonteante, superior a 2 000% ao ano. "As coisas simplesmente não avançam tão rápido", pensou Bezos, natural de Albuquerque, no Novo México. Foi então que resolveu criar uma companhia virtual. Para isso, pesquisou quais eram os produtos mais encomendados pelos correios. O que figurava entre os principais itens? Os livros, claro. Bezos imaginou que, com a capacidade de armazenamento quase infinita da web, poderia criar um catálogo gigantesco – o maior do mundo – com títulos para todos os gostos. Organizou uma lista com 1 milhão de livros, uma oferta quarenta vezes superior ao acervo de uma livraria comum, construída com tijolos, e não bits. Em setembro de 1995, no começo da operação da Amazon, as vendas já alcançavam 20 000 dólares semanais. Logo de cara era um sucesso. No início, os produtos eram empacotados no chão de cimento da garagem de Bezos, que se mudara com a esposa, Mackenzie, de Nova York para Seattle. Ele pensou em comprar joelheiras para facilitar o trabalho. Até que um funcionário teve a primeira ideia brilhante da firma. "Que tal mesas?", sugeriu. Vieram as mesas. E os avanços se sucederam. A Amazon não pode ser definida somente como uma loja on-line. Ela é uma empresa de tecnologia aplicada ao varejo. É a companhia que confere sentido ao termo comércio virtual. No ano passado, faturou 19 bilhões de dólares e lucrou 645 milhões de dólares. Em 2008, o site teve 615 milhões de visitantes interessados em milhões de artigos. A vedete entre eles é o Kindle, sobre o qual Bezos, de 45 anos, falou em entrevista exclusiva a VEJA, concedida ao editor Carlos Rydlewski e ao repórter Bruno Meier.
Algumas pessoas, como o fundador da Apple, Steve Jobs, criticam o fato de o Kindle ter apenas uma função – a leitura de livros. Elas não acreditam no futuro de um aparelho tão especializado.
Eu não concordo. Posso apenas dizer que a leitura é uma atividade muito importante e merece um dispositivo dedicado. Isso é o Kindle. E é um sucesso.
A tela do Kindle, criada pela empresa E-Ink e usada por outros concorrentes, tem somente tons de cinza. Não reproduz cores. Esse é um problema sério para um aparelho eletrônico?
Já vi testes que empregam a mesma tecnologia, o papel eletrônico, em cores. Mas ela não está pronta para ser lançada no mercado. Nós vamos usá-la, mas em dois ou três anos. O problema é que, hoje, se quisermos utilizar cores, teremos de usar monitores convencionais, como os de cristal líquido. Eles são péssimos para o nosso objetivo. Seu emprego torna impossível a leitura de textos sob o sol, exige grande esforço da vista e gasta muita bateria. Por esse motivo, utilizamos o papel eletrônico, com tons de cinza. É por isso que precisamos de um aparelho dedicado à leitura.
O Kindle vai bem no mercado americano?
É o produto mais vendido entre todos os milhões de artigos que comercializamos no site da Amazon. É o nosso best-seller. As pesquisas também indicam que é o item mais desejado entre os consumidores. Gosto de dizer que o Kindle é o nosso produto mais talentoso.
Outra crítica, também de Steve Jobs, está centrada no fato de a Amazon não divulgar dados sobre as vendas do Kindle. Com isso, Jobs deixa no ar dúvidas sobre o desempenho do produto no comércio.
Não divulgamos alguns dados, é verdade. Temos uma longa tradição a esse respeito. Nós nos mantemos quietos sobre muitos números. Como isso funcionou bem até agora, não vejo motivos para mudar. A postura silenciosa nos tem sido útil. Mas, como disse, o Kindle é um sucesso. E temos divulgado estatísticas que indicam esse fato. Hoje, 48% dos livros comercializados na Amazon são lidos no Kindle. Há alguns meses, essa participação era de 35%. O ritmo de crescimento é bastante rápido. E faz somente dois anos que estamos vendendo livros em formato digital.
Muitos editores temem que a Amazon, que vende livros e leitores, além de imprimir alguns títulos, domine esse mercado e crie um monopólio. A empresa está trilhando esse caminho?
Não. Essa é uma indústria extremamente competitiva e com muitas oportunidades. Ela comporta muitas empresas de sucesso. Não acredito que uma única companhia controlará toda a cadeia produtiva. Longe disso. Ninguém precisa perder para que nós ganhemos. E os livros eletrônicos estão ampliando o mercado editorial. Eles serão ótimos para os autores, para os editores, para os varejistas e, por fim, excelentes para os leitores. Não tenha dúvida de que, com o Kindle, teremos mais pessoas lendo e mais livros serão vendidos. A indústria inteira vai crescer e se beneficiar com esse tipo de inovação. Isso já está ocorrendo.
O que o senhor espera com o início da venda global do Kindle?
Temos 90 milhões de clientes ativos em todo o mundo. Esse é um número significativo. Esse é o nosso público potencial.
O consumidor brasileiro é importante para a Amazon?
Sim. Temos transportado livros em inglês para o Brasil nos últimos catorze anos. O problema é que, muitas vezes, a entrega demora entre duas e três semanas. As pessoas podem optar por uma entrega rápida, mas ela é mais cara. Creio que, com o Kindle, vamos superar essa barreira. Em breve, usando o aparelho, os brasileiros poderão receber seu livro por uma rede sem fio em menos de sessenta segundos. Essa é a principal mudança proporcionada pelo Kindle.
Metade dos americanos lê apenas um livro por ano. Em muitos outros países, esse número é pior. Faz sentido lançar um aparelho de leitura num mundo com poucos leitores?
Vendemos muitos livros e temos muitos clientes. Temos ainda os leitores onívoros, aqueles que devoram tudo. Essas pessoas querem um leitor eletrônico. Não tenho dúvida de que esse tipo de produto faz sentido.
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