Ao lado da também jornalista Leusa Araujo, Januária Cristina Alvesibi organizou o livro “Rubem Braga, o Lavrador de Ipanema”, com 14 crônicas “verdes” de Rubem Braga. O livro deverá ser lançado até março pela Record. Januária, em entrevista concedida, comentou sobre os 100 anos do Velho Braga, sobre seu amor “humilde” pela natureza e também sobre a importância das crônicas dele para a história da literatura brasileira:
Por que resolveram organizar “Rubem Braga, o Lavrador de Ipanema”, seleção de 14 crônicas de amor à natureza?
Janurária Cristina Alvesibi – Desejo de apresentar a obra de Rubem Braga aos jovens leitores brasileiros. Foi este “amor humilde à natureza” – além da paixão pela obra do autor – que animou esta seleção de crônicas. O livro reúne 14 crônicas de amor à natureza escritas entre os anos de 1930 e 1980 e comemora o aniversário do nosso maior cronista que completaria cem anos em 2013. Ecologista avant la lettre – Rubem Braga defende as causas ambientais movido a sentimentos do mundo e não a discursos. É assim, por exemplo, que lamenta o destino do Córrego Amarelo, em Cachoeiro do Itapemirim, sua terra natal: “(…) Não. Esta crônica não pretende salvar o Brasil. Vem apenas dar testemunho perante a História, a Geografia e a Nação, de uma agonia humilde: um córrego está morrendo. E ele foi o mais querido, o mais alegre, o mais terno amigo de minha infância” “(Chamava-se Amarelo” – uma das 14 crônicas selecionadas para homenagear o centenário de Rubem Braga.)
Rubem Braga se utiliza das árvores, do seu amor à natureza, como uma metáfora para falar de determinados momentos históricos – como fala da 2ª. Guerra mundial na crônica “Essas Amendoeiras” de 1948 (em O Homem Rouco) e das coisas da vida. Suas crônicas possuem subtextos e devem ser lidas sob diferentes pontos de vista. Daí a riqueza de apresentá-las aos jovens leitores que, além de terem acesso a um texto irretocável, conhecerão, pelos olhos do “Velho Braga”, um outro universo de informações e sentimentos.
Como conseguiram o material?
A Editora Record e a família de Rubem Braga disponibilizaram as crônicas publicadas pela editora para esse trabalho. A seleção foi nossa, com a anuência de ambos, numa parceria que resultou num belíssimo livro, um verdadeiro legado à literatura e à causa da preservação da natureza.
Como é a história do lavrador de Ipanema, apelidado dado a Braga pelo amigo Paulo Mendes Campos?
Que outro brasileiro formou um verdadeiro telhado verde na cobertura de um grande edifício? Pois Rubem Braga plantou no alto do edifício da rua Barão da Torre, em Ipanema, um sem número de espécies de plantas e árvores frutíferas, como pitangueiras, goiabeiras, pés de romã e até uma mangueirinha carlota! Contou com ajuda do paisagista Roberto Burle Marx e de outro amigo jardinista, o baiano José Zanine Caldas. Rubem Braga fez uma espécie de “resistência humilde” diante do enorme poder destruidor dos homens sobre a natureza. Atitude do lavrador urbano hoje tão valorizada pelos ambientalistas. Não foi à toa que seu amigo, o paisagista Augusto Ruschi, eternizou o cronista numa espécie de orquídea descoberta em 1970: a Physosiphon Bragae Ruschi. E seu amigo Paulo Mendes Campos, frequentador da casa do amigo e ciente dessa sua paixão pela natureza, carinhosamente o apelidou de “o lavrador de Ipanema”.
Qual a importância do Velho Braga para a crônica brasileira?
Rubem Braga é mestre em escrever verdades universais como se fossem coisas passageiras e sem importância. Este é o traço que o marca na literatura brasileira. Nenhum outro escritor brasileiro abraçou a crônica – esse gênero entre a prosa e a poesia – como lugar ideal, onde se está bem à vontade para fazer a ficção do cotidiano. Nunca pensou em outro gênero. Parecia sempre um escritor sem outra pretensão: “confesso que escrevo de palpite, como outras pessoas tocam piano de ouvido” – declarou certa vez. É dele também a célebre descrição sobre o trabalho do cronista. Até hoje, no imaginário de qualquer candidato ao posto, segue a lição: “Mas o cronista de jornal é como o cigano que toda noite arma sua tenda e pela manhã a desmancha e sai.” (Manifesto, 1951). Não há dúvida que Rubem Braga continua a ser o mais importante cronista brasileiro, tanto a crítica acadêmica quanto o público reconhecem. Mas é preciso manter viva a obra, despertar o interesse de novos leitores – especialmente para o seu lado “verde”.
Por que ler Braga?
Considerado o “Príncipe da Crônica”, Rubem Braga é um autor primordial do gênero no Brasil e deve ser lido com uma referência. Sobre seu trabalho escreveu o crítico Domício Proença Filho (em “Ao Leitor”, em “Rubem Braga Aventuras”, Record, RJ, 2002): “A crônica se faz, normalmente, do relato de fatos próximos ou distantes, acompanhados de comentários do autor, sempre a partir de um olhar autorizado e crítico: o cronista parte de um fato qualquer, de uma paisagem, de uma pessoa, de uma sensação, de um pensamento e, num texto curto, apresenta suas considerações pessoais. (…) O cronista permite-se viajar na imaginação e nas impressões subjetivas, nutrientes eficazes de um discurso em que se configuram dimensões literárias e não literárias.”
Embora Rubem Braga tenha passado a maior parte de sua vida como “o medíocre homem que vive atrás de uma chata máquina de escrever” (mais de 15 mil crônicas, dos 14 aos 62 anos), o leitor terá sempre a impressão de que o Velho Braga (como ele se autodenominava desde jovem) é um velho contador de histórias, humilde, com as mãos calejadas pela lida na terra, deitado na rede, à sombra de uma árvore centenária, e com o vento soprando ao fundo. De fato, em toda a sua obra podemos encontrar esta tensão entre o homem urbano, preso num apartamento, no bonde, ou numa redação de jornal, olhando as amendoeiras, sentindo o barulho da chuva, comemorando o nascimento de um pé de milho no seu jardim, e pressentindo a chegada do outono “vinha talvez do mar e, passando pelo nosso reboque, dirigia-se apressadamente ao centro da cidade, ainda ocupado pelo verão.”
Ou seja, cada árvore, cada córrego, cada mudança de tempo leva o autor – este “bicho do asfalto” – para o seu lugar de origem: a natureza. Assim, as árvores remetem tanto às lembranças da infância, ao conhecimento do mundo, quanto ajudam a refletir sobre a ordem da vida social e a desordem natural. Na crônica, “O Mato”, por exemplo, Rubem Braga expressa este desejo de ser apenas o homem do mato: “(…) sentiu vontade de deitar e dormir entre a erva úmida, de se tornar um confuso ser vegetal, num grande sossego, farto de terra e de água; ficaria verde, emitiria raízes e folhas, seu tronco seria um tronco escuro, grosso, seus ramos formariam copa densa, e ele seria, sem angústia nem amor, sem desejo nem tristeza, forte, quieto, imóvel, feliz.”
A partir de O Diário. Leia no original
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