Do jeito que as coisas aconteceram, era impossível evitá-las. Um ex-aluno da "Escola Tasso da Silveira" entrou pela porta de frente, procurou a sala de leitura. Perguntaram a ele se vinha para a palestra. A escola estava comemorando 40 anos e era comum receber ex-alunos para palestras.
O que não era comum na história? Welington Meneses de Oliveira tinha deixada crescer uma barba e vestia-se de uma forma estranha. Algumas testemunhas mencionaram luvas pretas. Trazia uma mochila e todo aquele aparato no calor do princípio de outono deveria parecia incômodo aos observadores.
A irmã adotiva, Rosilene Meneses, disse, numa entrevista de rádio, que ultimamente estava estranho, lendo coisas na internet. Tinha se interessado pelo islamismo mas não há indícios de que grupos islâmicos tenham se interessado por ele.
No bolso, ele tinha uma carta suicida, afirmando, entre outras coisas, que nenhum impuro poderia tocá-lo, apenas os castos ou os que perderam a castidade após o casamento. Teria de ser enrolado num lençol branco que trouxe para isto; teria de ser bem lavado antes de o sepultarem no mesmo túmulo da mãe adotiva.
Na rua, alguns moradores de Realengo estavam perplexos. Lembram-se que Welington foi motoboy em Realengo. Afirmam também que a escola merecia ter um segurança pois, no passado, atiradores num carro em movimento alvejaram o prédio, ali mesmo onde agora aparecem tres buracos de bala, resultados do tiroteio matinal.
De fato, os colégios do Rio são pouco seguros. Mostrei como um dos Cieps assaltados no ano passado, oito ataques em três meses, tinha uma cracolândia no patio.Era o Antonio Candeias Flho, no Irajá. Um documento do Sindicato dos Professores, também do ano passado, revela que 86 por cento das escolas não têm porteiros ou seguranças.
Jamais aconteceu, entretanto, nenhum ataque frontal aos alunos. Em Campo Grande, na mesmo dia do massacre, explodiram duas bombas caseiras na escola municipal Mafalda Teixeira Alvarenga. Mas ainda assim, nada indicava a possibilidade do que houve na escola Tasso da Silveira.
Welington deve ter lido mais uma vez a frase que está inscrita num grande quadro, ao lado da sala dos professores: a confiança em si próprio é o primeiro segredo do êxito, Ralph Waldo Emerson. Em seguida, subiu as escadas, abriu a porta de ferro azul e foi para as salas de aula.
O horror é indescritível, exceto pelos relatos pós crime. Um policial que foi ao IML, me disse que as crianças foram alvejadas na testa, de cima para baixo. Ele suspeita que o assassino as enfileirou e pediu que ajoelhassem para facilitar a tarefa Ele tinha bala para matar quase toda a escola. Além dos dois revólveres que trazia, conseguiu um dispositivo chamado fast jet que permite recarregar as armas com muita rapidez.
Dois alunos baleados conseguiram escapar pelo portão da frente. Posso imaginar seu desespero. As proximidades do cadeado estão cheias de marca de sangue. Na rua, comunicaram-se com a polícia e o sargento Márcio Alves foi à escola, atirou na perna de Welington que se matou em seguida.
Isto é tudo. Mas é quase nada para quem quer entender. Na carta sucida, Welington não fala que foi contaminado pelo virus da Aids. Havia alguma especulação por ter matado dez meninas e apenas um menino. Um policial me alertou para a possibilidade de coincidência, pois as meninas costumam ficar mais juntas.
Tudo isso é dificil apurar no mesmo dia do crime, sobretudo porque a perícia ainda estava sendo feita e as testemunhas não foram ouvidas pela polícia. As marcas de sangue na escada, na porta de saída, nas ásperas paredes e o silêncio dos peritos trabalhando nos andares superiores foi a impressão mais forte da escola. O patio onde se ouvem gritos tinha apenas um dois policiais e dois homens vestidos com terno escuro com a gola típica des padres. No pé da escada alguns sacos de plástico, vazios e empilhados.
Na saída, quando o guarda municipal abriu a porta, detive-me sobre as marcas de sangue pensando como poderiam ter parado ali. Antes de alcançar a liberdade e chamar por socorro policial, os meninos feridos no rosto devem ter encostado a cabeça na parede, para esquecer o horror ou ganhar forças para escapar dali.
A partir do Estadão. Leia no original
0 comentários